quinta-feira, 18 de junho de 2015

Fica bem, minha querida!

Esse foi, sem dúvida, o melhor aniversário da minha vida. Temos todos nossos infernos particulares, e estar sobrevivendo ao meu, estar viva para comemorar mais um ano, é incrível. Razão para festejar. Mas esse é também, sem dúvida, um dos mais tristes. Acabei de saber que uma amiga querida se foi. Alguém que fazia parte da minha família do coração, do tipo que não é de sangue, mas de amizade e respeito pela vida um do outro. Ela fez parte de minha infância, adolescência, o tipo de amizade que você sabe, a distância física não faz diferença. Em janeiro do ano passado, ainda em fase de diagnóstico do meu câncer, escrevi aqui no blog sobre a coragem, logo depois de ganhar um livro de outra amiga querida, com esse título. A Eliana, é esse o nome da amiga que partiu, deixou um comentário carinhoso e encorajador na postagem. Falávamos sobre a magia de colocar para fora as emoções através da palavra. Ela também jornalista, aliás, acho que a primeira jornalista que conheci, entendeu perfeitamente a minha necessidade de ‘falar’, algo que para alguns era muita ‘exposição’. Acontece que logo depois, acho que na minha segunda cirurgia, ela também foi diagnosticada com câncer. Trocamos figurinhas, nos apoiamos mutuamente. E o carinho dela por mim foi tão grande, que quando as coisas começaram a não dar muito certo com o seu tratamento, chegou a dizer que não queria “me contaminar”, imaginando que seus resultados podiam me assustar. Em um de seus últimos emails ela me disse: queria de alguma forma te confortar, porque sei o que está passando. E era isso, conversar com ela me acalmava, porque sabia que talvez fosse a única a me entender de verdade! Hoje me despeço, com uma frase de adeus que é sua, Eliana. Mas que agora também é minha: Queria poder te ver, te dar um abraço...Fica bem, minha querida!

Querida Maria...
Como você, eu também gosto das palavras. E me maravilho diariamente com o imenso poder que elas têm: o poder de curar, o poder de ferir, o poder de acalentar e de seduzir. Impossível contar as inúmeras vezes vezes em que eu fui salva pelas palavras: de um parente distante, de um amigo querido, de uma música marcante, de um autor preferido... E também as vezes em que elas me cortaram feito faca afiada, feito caco de vidro. Como você, também já fiquei sem palavras. Algumas vezes por susto, outras por medo, e muitas vezes por elas terem se emaranhando na hora de expressar o tumulto, a revolução que se passava dentro de mim. Mas mais do que tudo, as palavras sempre foram o meu porto seguro, o meu refúgio, a minha canoa em meio ao mar revolto.

Espero muito que as palavras que vão chegar até você, vindas de todo mundo que te ama, te ajudem a navegar esse seu mar revolto, e te conduzam à terra firme. Que a palavra coragem te reforce, que a palavra paciência te acalme, que a palavra carinho de aconchegue. E que nessa fase de dúvidas e medos e incertezas, você se cerque somente das palavras bonitas - sorriso, brisa, flor, ternura, esperança, amor.

Beijo,
Eli Fajardo



domingo, 22 de março de 2015

Câncer – e agora?

Como lutar contra a doença sem deixar a vida de lado



Encontrei esse livro por acaso, numa das minhas rápidas escapadas pós-quimioterapia. Cada pessoa tem um modo de lidar com a vida e seus problemas. O meu, na maior parte das vezes, é mergulhando de cabeça em todo tipo de informação ou referência sobre a coisa em questão. E sim, não fiquei (mais) melodramática por causa da doença, nem mesmo me tornei uma pessoa melhor ou mais religiosa. Mas quer saber? Muda tudo, sim, de verdade. Algo que penso acontecer sempre que nos sentimos confrontados. Não acho que seja preciso ter câncer para aprender essa lição. Entretanto, às vezes, os momentos trágicos nos obrigam a pensar nas prioridades imediatas e ficar alerta. E aí está o grande barato.

Li muita coisa sobre o assunto, mas poucos textos me causaram tanta identificação como esse livro “Câncer - e agora?” (Editora Globo, 2007, 202 páginas) da fotógrafa e atriz americana Kris Carr. De cara ela me diz “o saldo que fica é o seguinte: mesmo que o câncer desapareça, a lembrança de que ele existiu permanece, a lembrança de que ele existiu permanece – e o medo de que ele retorne também”. Perfeito para quem acabava de voltar a trabalhar, procurou a vida de antes e não achou! O medo faz parte da vida, e convive diariamente com minha fé. Que alívio me reconhecer nessa frase. E em tantas outras. Ninguém controla a própria vida, mesmo que pense o contrário.

São memórias que quero guardar para sempre. Olho para as ‘tatuagens deixadas pelo câncer e me recordo de que essa história me transformou e me obrigou a ampliar meus horizontes. Sou grata por isso.” Kris, que tem um câncer de fígado incurável, é ácida, bem-humorada, realista e divertida. Tudo junto e sem aquele blá-blá-blá do politicamente correto que costuma acompanhar os textos sobre o assunto. E se você conseguir exorcizar o demônio da desgraça vai se divertir e identificar com a grande maioria dos seus relatos

Esse foi o primeiro livro que li quando consegui voltar a respirar. Fiz algumas tentativas durante a fase negra, mas era muito, muito difícil conseguir me concentrar na leitura. Ainda estou aprendendo a lidar com a minha dificuldade de compreensão e concentração, sequelas da quimioterapia que pode, em alguns casos, comprometer as funções cognitivas. Por isso essa foi também a primeira vez que levei semanas para terminar de ler um livro. Vida nova, sim senhor. 

Blog da Kris: www.crazysexycancer.com 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Começar de novo...

Foto: Helder Pinto, companheiro de 'caminhada'

E não é assim todo dia? Aqui estou na armadilha do ‘mimimi’, tentando achar explicação para esse desconforto de estar de volta a uma vida ‘normal’. Acontece que não se volta ao que existia, mas assim acontece todos os dias. No meu caso um grande sofrimento, mas os pequenos também têm a mesma lógica. E a dor, meu amigo, é sempre maior quando pisam no seu calo. Empatia aproxima, conforta, mas não torna as coisas mais fáceis, não necessariamente. Não corro atrás da tal felicidade, quero é ter gosto na vida. Que venham os dias, um atrás do outro. Só por hoje, vou ficar bem.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Feliz, ano novo

Adoro a energia do final do ano. Luzes coloridas, festas e uma alegria que às vezes beira o histerismo. Tem também o surto de generosidade que acomete uma boa parte das pessoas, mas essa já é outra estória. Sei que gosto mesmo é dessa sensação de cruzar um marco imaginário no tempo, e (re)começar de novo. Sei que vez por outra um furacão metafórico me arrasta pela vida. O último chegou no finalzinho de novembro de 2013, quando resolvi acompanhar minha irmã a uma consulta com a pneumologista que lhe salvou a vida faz bem pouco tempo. Não tenho problemas respiratórios, não fumante, histórico zero para a especialidade, mas havia a possibilidade de encontrar um problema de apneia, que minhas irmãs têm e que pode causar fadiga, uma vez que o sono é interrompido várias vezes durante a noite. A polissonografia mostrou que a apneia era leve, o ronco é que era pesado, como pode uma pessoa roncar mais de 400 vezes em menos de 8 horas de sono? Bom, voltamos ao ponto de origem, o cansaço, a tal da fadiga crônica. Sabia que tinha algo de muito errado no meu corpo. E sim, a fadiga já era um sinal do câncer. O zelo da médica ao pedir também uma tomografia do tórax, só para ‘checar’, pode ter salvado a minha vida. Feliz por estar aqui, mais um ano, que venha 2015.