A qualidade da foto está péssima, vou ser
obrigada a confessar que trata-se de um slide de monóculo digitalizado, coisa
de mil novecentos e bolinha, que entrega de cara a idade da pessoa. Sim, nasci
em 1968, o ano do Zuenir Ventura, aquele que "não terminou". O tempo
cronológico não me assusta. Nunca quis ser mais velha, nem mais nova. Meu tempo
é, e sempre foi, o presente. Mas vez por outra é bom girar o pescoço e
vislumbrar quem você era. Gosto disso. O tempo histórico, esse me interessa.
Tenho poucas fotos de minha infância, conto nos dedos das mãos. Mas a memória
afetiva, essa é recheada de imagens. Essa menininha da foto era tagarela,
curiosa, teimosa, e já amava os gatos e a natureza. Ela nasceu vegetariana, sem
teses, essas vieram depois. Milhares delas.
sábado, 17 de maio de 2014
terça-feira, 6 de maio de 2014
Quando acende a luz vermelha
Há exatos seis meses, 6 de dezembro
de 2013, uma sexta-feira. Estava de licença do trabalho por causa de uma virose
das bravas. Mas alguma coisa dizia, levanta, afinal já está marcado e vai ser
rápido. A mamografia havia sido solicitada por uma pneumologista, isso mesmo, o
tal nódulo tinha aparecido em um check-up respiratório. Além de descobrir que
posso roncar mais de 400 vezes em uma noite de sono, o alerta veio com uma
tomografia do tórax. Quando a moça simpática pediu, “vamos fazer uns
complementos, acho que o médico vai precisar”, uma luzinha vermelha acendeu.
Lembro-me de ter comentado logo depois com meu companheiro, na sala do
cafezinho, “acho que a coisa é mais séria”. E era. Bendita hora que arrumei
coragem para sair de casa naquele dia, afinal de contas estávamos às vésperas
do natal, ano novo, e quem em sã consciência marca médicos e exames para essa
época? De lá para cá já se vão seis
meses. Resultado da primeira biópsia dia 6 de janeiro, primeira cirurgia dia 6
de fevereiro, segunda cirurgia dia 6 de março. Só hoje me dei conta que o tempo
passou tão rápido. Foram tantos exames, consultas, autorizações. Há uma semana
comecei minha quimioterapia. Serão quatro sessões com intervalo de 21 dias, seguida
da radioterapia. Depois o tal remédio indicado pelo exame histoquímico, que
deverá ser tomado por “cinco” ou “dez” anos. Tempos de espera. A cada
procedimento, a incerteza de como o organismo irá reagir. Nada é definitivo. E
ao que parece, vai ser assim sempre, mesmo depois do tratamento e da cura. Porque
esse, é o que acredito, será o resultado do jogo, a cura. Meu sentimento
cristão esteve presente desde o começo, achava até tolice dizerem “tenha fé”,
pois tive desde o início. E acho que a teria mesmo que não fosse católica. Fé
na medicina, na minha vontade, sei lá o que fosse. Esse é um dos principais
ingredientes. Mas acreditar não significa que vai ser fácil, porque não vai.
Primeiro você perde sua
autonomia, e por mais que tente manter uma rotina, o tom dos seus dias não é
você quem dita. Um pouco de bom humor e a cabeça fica boa a maior parte do
tempo, mas quando escorrega, vai fundo. A incerteza, as estatísticas, o medo. No Brasil a cada três mulheres com câncer de mama uma não sobrevive.
Sim, o medo faz parte, e é exatamente ele que te leva para frente dizendo,
aguenta criatura, vai passar. A fase da mutilação, no meu caso parcial, me
surpreendeu. Logo me acostumei e só vou querer pensar se e quando consertar o
estrago, depois de tudo. Também o cabelo, se e quando cair costumo brincar
dizendo que os outros é que vão sofrer por me verem muito feia. Cabelo cresce,
e o meu sempre gostei de cortar. Já a quimio me deu uma rasteira, afinal fui premiada
com todos os sintomas e mais algum, meio raro, pois sou alérgica a isso e
aquilo. Mas já estou montando uma
estratégia para não sofrer muito nas próximas, a experiência ajuda. E estou
contando com ela para me auxiliar para o resto da vida. Não que seja especial apenas no
meu caso, mas desafio alguém a passar por um susto desses e não mudar, de preferência
para melhor. Confesso que achava meio piegas esse discurso de “depois de tal e
coisa minha vida mudou”, mas é verdade, muda. Como diria Platão, o rio não será
mais o mesmo. E essa enxurrada te leva para muito, mas muito longe. E é para lá
que espero ir depois de tudo.
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