Final da década de 80, comemorando aniversário ao lado do amigo Daniel |
Anos 80, uma época feliz,
feliz, rica em originalidade e criatividade. Mas que também foi muito cruel
para aqueles que conheceram em primeira mão o mal do fim do século XX. A AIDS
pegou muita gente de surpresa, entre elas um amigo querido. Alguém que morreu
jovem, como morreram muitos daqueles que não tiveram o privilégio e a saúde
para esperar coquetéis e avanços da medicina. Mas que também não tinha discurso
dramático nem dava bola para o preconceito. Ele foi vítima de seu excesso de
juventude.
Assim como nos conta Lucinha Araújo sobre seu filho, em depoimento a Christina Moreira da Costa, no livro O tempo não para – Viva Cazuza (Editora Globo, 2011, 250 páginas). Ela fala de sua luta contra a doença e de como sobreviveu a perda, com a ajuda do trabalho na Sociedade Viva Cazuza. Poeta talentoso, Cazuza nunca pretendeu ser exemplo para sua geração, queria apenas viver sua vida e pagou um preço alto. Mas viveu, e ainda me espanta o preconceito quando ele se coloca como inquisidor do grande, breve e intenso artista que ele foi. Encontrei esse trecho da narrativa de sua mãe que me confortou:
"Quando pequeno, Cazuza dizia
que ia ser arquiteto, ou que faria faculdade de geografia, mas acabou
escrevendo uma bela história. Certa vez, recebi o e-mail de uma psicóloga que,
depois de assistir ao filme Cazuza, o tempo não para, ficou impressionada com o
culto à personalidade do meu filho, que considerava nociva à sociedade.
Penso sobre o conceito que essa psicóloga faz dos artistas. E me pergunto se ela acha que quem vive uma vida normalzinha como a minha e provavelmente a dela, vai deixar alguma marca no mundo. Será que ela nunca ouviu dizer que o artista é a antena da espécie? Será que nada sabe sobre a história de Hemingway, Van Gogh, Kafka, Dalí, Mozart ou Pollock? Teria ouvido falar das experiências de Freud com a cocaína?
A vida de Cazuza dá mais que
um livro e um filme. As pessoas que assistiram ao filme e leram o livro não
passaram a seguir seus passos. Depois de certa idade, nós mesmos somos
responsáveis pelos caminhos que traçamos. Acho muito engraçado aquele tipo de
mãe que põe a culpa de tudo no que chama de más companhias, como se os filhos
não tivessem a liberdade de escolher. Sempre é mais fácil pôr a culpa no outro.
Difícil é compreender as diferenças e se dispor a conviver com elas".
Os tempos mudaram, as
cabeças nem tanto, mas infelizmente a AIDS ainda faz suas vítimas, e hoje
completa exatamente um ano que perdi outra pessoa querida por causa dela.