quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

CORRER, CORRER, CORRER


Saúde e paz, o resto a gente corre atrás
Foto: Lilla Ferreira
 
A máxima tão falada pelo jornalista Pedro Bial, quando apresentador do Fantástico, nunca foi tão verdadeira em minha vida. Ando correndo atrás de uma vida (quase) normal, e de uma rotina que me mantenha saudável, porque o tal do câncer não é brincadeira não. Bom, correndo atrás é eufemismo, mal consigo dar cinco voltinhas na pracinha perto de casa, mas já vejo certa regularidade na intenção, e comemoro a conquista. Todas as especialidades médicas que visitei nos últimos meses me receitaram atividade física, e quando vi não tinha mais jeito. Quando se tem mais gordura no fígado do que nos culotes, a coisa está realmente feia. Então corri atrás de fazer o que mais gosto. Comprar um livro! Escrito por um médico, vejam só a coincidência, um oncologista. Perfeito. Correr, do médico Dráuzio Varella (Companhia das Letras, 206 páginas) me conquistou logo no início, quando o autor faz um questionamento que também é meu. “Existe sofrimento mais atroz do que deixar a cama quente, no horário em que o sono é mais arrebatador, vestir o calção, a camiseta e calçar o tênis para sair correndo?” Para em seguida, comentar algo que sempre desconfiei. “Se ouço alguém dizer que acorda cheio de vontade para correr, nadar, pedalar ou levantar peso na academia, por educação fico calado, mas duvido que seja verdade”.
 
Como médico, ele lembra que a maioria de seus pacientes, quando passam da fase difícil, reassumem o cotidiano sem levar em consideração a saúde, bem ao qual só atribuímos valor se escasseia: “O que me choca é que, ao emergir restabelecida desse inferno, a pessoa que passou por tal suplício seja incapaz de andar míseros trinta minutos diários". Pronto, a carapuça caiu na minha cabeça e encaixou como uma luva. Adeus procrastinação. O jeito foi esquecer a fibromialgia, a fadiga pós quimioterapia+radioterapia, e correr para dar umas voltinhas na tal pracinha. 


Mas ainda tem mais, a cereja do bolo do texto de Dráuzio Varella, algo que já tinha ouvido em algum lugar: “Mulheres com câncer de mama enfrentam obstinadamente cirurgias mutiladoras que interferem com a autoimagem e a sexualidade, passam pelas náuseas, vômitos e o mal-estar da quimioterapia, perdem o cabelo, cumprem com rigor as sessões de radioterapia e os cinco anos ou mais de tratamento hormonal. Quando explico que andar trinta a quarenta minutos diários reduz em pelo menos 30% o risco de morrer por disseminação da doença, benefício semelhante ao da quimioterapia, ouvem atentas e juram que vão caminhar todas as manhãs. Juramento falso, conto nos dedos as que cumprem a palavra”.

Pronto, outra carapuça caindo na minha cabeça, dessa vez como uma pedra!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Eu tenho medo sim, e daí?



David Bowie no Brasil, início da década de 90


Quando seus ídolos começam a morrer, cai a ficha da finitude. Quando seus ídolos começam a morrer de câncer, tenho que confessar, cai a máscara da coragem. Ainda no final de semana estava vendo as matérias sobre o lançamento de seu novo álbum, “Blackstar”, que aconteceu no dia do seu aniversário de 69 anos, no sábado (8). Acordo hoje, segunda (11), e ligo a televisão para assistir aos telejornais, morreu David Bowie. Sonolenta, penso que entendi mal, mas é isso mesmo, morre o camaleão pop, depois de 18 meses de luta contra um câncer que eu nem sabia que o acometia. Imediatamente a memória afetiva viaja até o início da década de 90, a primeira turnê de Bowie no Brasil. Eu estava lá, lembro da sensação, um grande acontecimento. 
 
Mas a sensação logo depois é de finitude, de medo da morte. Da minha, das pessoas que amo, de desconhecidos. A morte é mesmo uma sacanagem, é o que acho. A única certeza da vida, sim, e acho que devíamos aprender a lidar melhor com ela, até mesmo falar mais sobre o assunto. Mas uma verdadeira sacanagem. Você está lá, com a vida cheia de compromissos, planos, e de repente morre! No meu caso, pouco mais de 20 meses na luta contra um câncer, quando a pior batalha já foi vencida, tenho que confessar. Todas as vezes que vejo a notícia de alguém que morreu por causa da doença, o coração balança. Tem sempre alguém tentando me consolar dizendo que vamos todos morrer. É verdade, vamos todos. Jovens, velhos, doentes, saudáveis, em algum momento da vida. Mas a questão é que, no caso de um diagnóstico desse tipo, a pessoa pega uma senha para ficar nos primeiros lugares da fila. E isso não é pessimismo, faz parte desse processo de aprender a lidar com o tema da morte, algo que não acontece apenas na ‘casa do vizinho’, e é o que nos faz correr atrás da vida e de tudo que dizem que pode contribuir para a prorrogação do jogo. E eu desafio alguém, nessa condição, a não sentir um pouco de medo! 

Até porque, é esse sentimento que te move, que te joga na vida com urgência. Quando a vida te vira do avesso, o desafio é descobrir quem é essa pessoa que surge depois do grande susto. Porque a vida não volta ao normal, ou não existe mais a antiga versão do que era ser normal. Quando se tem na rotina a visita ao oncologista, costumo brincar, a vida não é lá muito normal, não é mesmo?