Muitas vezes ouvi de colegas, geralmente homens, que essa coisa de feminismo é muito chata. Que está fora de moda, que é papo de uma mulherada recalcada, faz parte do passado e etc.. Mas basta assistir ao noticiário todos os dias para ver que infelizmente não é bem assim. Ninguém precisa mais queimar sutiãs em praça pública, muito menos negar as diferenças, digamos, estruturais entre os sexos. Mas negar que um legado histórico de desigualdade ainda faz parte do cotidiano das mulheres ou é burrice ou machismo, outra coisa que também não saiu de moda. Acho que esse texto fala um pouquinho mais do que penso sobre o assunto:
Feminismo como estratégia
Violência contra mulheres é injustificável. Aceitá-la com naturalidade é criminoso. É agredir por omissão.
Em certos círculos, nas maiores cidades do mundo, o feminismo andava
meio fora de moda. Acusavam-no de ter envelhecido e se tornado
irrelevante. Achava-se que a igualdade entre homens e mulheres já era
dado da realidade e não mereceria mais apoio político específico.
A menção ao conceito evocava o estereótipo da mulher raivosa queimando
sutiã na rua. As feministas militantes eram tratadas com desprezo e
condescendência ("ai meu Deus, lá vem aquela chata de novo...").
Não é de se estranhar que, na Inglaterra, no ano passado, apenas 8% das mulheres entre 20 e 24 anos se considerassem feministas.
O feminismo a que me refiro consiste em uma ampla coleção de ideologias,
de variadas vertentes, cada uma com visões e estratégias próprias. No
entanto, por mais diversas que possam ser, todas essas ideologias
feministas se articulam a partir da noção comum de que a desigualdade
entre homens e mulheres é inaceitável e deve ser combatida.
Ainda que, em termos globais, a condição relativa das mulheres tenha
evoluído substancialmente nos últimos 50 anos, a desigualdade entre os
sexos continua a se manifestar tanto em termos de direitos abstratos
quanto em termos muito concretos de violência e ameaça física.
De acordo com a ONU, uma em cada três mulheres será vítima de estupro ou
espancamento ao longo da vida. Em alguns países, essa proporção chega a
sete em cada dez. Nos Estados Unidos, por exemplo, três mulheres são
assassinadas todos os dias por seus parceiros. E nunca é demais lembrar
que, enquanto você lê esta coluna, há meninas sendo trocadas por
carneiros no Afeganistão.
Para essas mulheres, o exercício do feminismo não é uma questão de moda.
É uma estratégia de sobrevivência. Não é um feminismo de universidade.
É um feminismo de necessidade, que deixa nítidas a importância e a
atualidade da luta das mulheres contra o abuso físico, moral e legal que
sofrem cotidianamente.
Negar a relevância dessa luta reflete irresponsabilidade social e falta
de solidariedade humana. A violência contra as mulheres é
injustificável. Aceitá-la com naturalidade é criminoso. É agredir por
omissão.
Desde que uma estudante indiana foi brutalizada e morta por um grupo de
homens em Nova Déli, em dezembro passado, manifestações feministas
começaram a pulular ao redor do planeta. Como em um mecanismo de
contágio, mulheres saíram às ruas no Egito, no Paquistão e na Ucrânia
para exigir maior proteção legal e a ampliação de seus direitos.
Na quinta-feira passada, 14 de fevereiro, eventos pelo fim da violência
contra a mulher tiveram lugar em 190 países. A igualdade de gênero não é
um dado da realidade humana, e sim um privilégio raro, que a maioria
das mulheres do mundo só conquistará por meio da mobilização política.
Essas mulheres e seus aliados defendem uma causa justa e precisam de
ajuda. Os governos que abraçam e promovem princípios democráticos devem
apoiá-los incondicionalmente.
É o correto a fazer.
ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. (Texto publicado no jornal
Folha de São Paulo, em 26/02/2013)