segunda-feira, 3 de agosto de 2009

MADE IN CHINA

A edição da última semana de abril da revista Veja trouxe em suas páginas amarelas uma entrevista com a escritora e jornalista chinesa Xinran Xue, 51 anos. Uma feliz coincidência fez com que seu livro, “As boas Mulheres da China: vozes ocultas” (São Paulo: Companhia das Letras, 2003) viesse parar em minhas mãos praticamente após a leitura da revista. Por força do destino tenho uma particular atenção com as coisas do oriente, e me intrigou uma observação de Xinran sobre o fato de que “os ocidentais cometem o mesmo erro do governo chinês: acham que é só modernizar as ruas para modernizar o país”. Penso que talvez essa postura não seja simplesmente coisa de ocidente ou oriente, mas mania de gente mesmo. A vida do vizinho é sempre mais fácil de resolver. Difícil mesmo é pensar no ‘outro’ sobre a lógica do ‘outro’. Seja na vida pessoal ou na comparação entre as mais diversas culturas. Entre 1989 e 1997, a jornalista Xinran entrevistou mulheres de diferentes idades e condições sociais, numa tentativa de compreender a condição feminina na China Moderna. Um registro feito com carinho e competência através de uma pesquisa e escuta cuidadosa. As experiências contadas em seu livro revelam vidas marcadas pelo abandono, violência e opressão.

A autora, ela mesma marcada em sua trajetória de vida pelo desamparo e discriminação, faz com que seus relatos tragam volume a vozes antes silenciadas e ignoradas. Seus pais foram presos durante a Revolução Cultural e ela passou a infância num quartel da Guarda Vermelha. São histórias que revelam provações, medos, esperanças e uma capacidade de resistência que lhe permitiu se reerguer e sonhar em meio ao sofrimento extremo. Como apresentadora de um programa de rádio voltado para mulheres, durante quase uma década ela foi depositária de ouvintes que lhe confiaram suas pequenas e grandes tragédias. Recebia mais de cem de cartas por dia. Para o leitor desavisado, a impressão inicial de que se trata de mais uma obra em defesa do feminino, dos direitos das mulheres, pode se transformar numa bela surpresa. Xinran mergulha em um mundo que, embora retrate seus pares, as histórias e os cotidianos das mulheres de seu país, causa surpresa até mesmo para ela. Se a maioria das mulheres do mundo ocidental, acostumadas com conceitos como democracia e liberdade, ainda têm que lutar por igualdade de direitos, imagine o que seria uma realidade onde a mulher, como indivíduo, cidadã, criatura mesmo, não tem direito algum.

Xinran, apesar de sua história pessoal, de ter sofrido horrores na época da Revolução Cultural, com traumas ainda hoje escondidos embaixo do tapete, ainda assim é uma exceção no mundo da realidade das mulheres chinesas. Ela e uma meia dúzia, a maioria da juventude atual, tem acesso à educação e à informação. A diferença é tanta, entre o moderno e a tradição, que a própria Xinran se surpreende com os horrores praticados em seu país. Inocentemente, em alguns momentos ela revela nas entrelinhas que esperava que essa fase da mulher como uma não-pessoa, na China, já tivesse terminado ou caminhado bastante no sentido de fazê-lo. Até bem pouco tempo, nas residências chinesas, eram destinados às mulheres os quartos laterais na casa da família, onde se guardavam as ferramentas e os empregados dormiam. Os aposentos principais eram destinados ao dono da casa e aos filhos. Xinran conta histórias de meninas e mulheres violentadas, com fome, dor e abandono, e que nem sabiam que tinham direito a não sofrer nada disso. Por vezes interrompi a leitura, sem suportar a narrativa tão cheia de realidade. Para contar tudo isso a autora teve que ir morar na Inglaterra. Talvez essa, mais uma violência contra essa cidadã-mulher chinesa.

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